Para alcançar maior usinabilidade
Utilização de fluidos aditivados com enxofre é alternativa interessante para otimizar usinagem do ferro grafite compactado (CGI)
Cresce a utilização do ferro grafite compactado (CGI) pela indústria automotiva. Aplicado na fabricação de discos de freio, coletores de exaustão e blocos de motores diesel, o CGI apresenta altas propriedades de resistência se comparado ao ferro fundido cinzento padrão. Essa característica permite a fabricação de motores mais eficientes devido à maior pressão alcançada nas câmaras de combustão, o que, consequentemente, reduz os níveis de emissão de poluentes na atmosfera.
Adicionalmente, a utilização do CGI garante a produção de peças com paredes mais finas, o que reduz consideravelmente o peso desses itens. No caso da fabricação de motores, o CGI também contribui para o aumento da eficiência energética do combustível.
Entre as limitações associadas ao CGI estão suas baixas propriedades de usinabilidade quando comparadas às do ferro fundido cinzento, incluindo altas taxas de desgaste das ferramentas utilizadas nos processos de usinagem.
A fim de desenvolver uma nova tecnologia de fluido de usinagem que contribua para aumentar a vida útil da ferramenta, este artigo discute os resultados de estudos promovidos para investigar as propriedades de usinagem do CGI em comparação às do ferro cinzento fundido, bem como a composição dos fluidos de usinagem utilizados nos processos.
Menor usinabilidade
Com o objetivo de produzir peças mais leves e resistentes, atualmente a indústria automotiva tem concentrado esforços para substituir o ferro fundido cinzento padrão pelo CGI. Confira a seguir as principais características destes materiais:
♦ Ferro fundido cinzento
• Possui estrutura laminar
• A predominância de lamelas interconectadas de grafite aumenta o nível de descontinuidade e de efeitos concentrados de estresse na matriz metálica
• Devido às características citadas acima, o ferro fundido apresenta boa condutividade térmica, capacidade de amortecimento (menor vibração) e também boas propriedades de usinagem
• É facilmente usinado sob baixos custos de produção, já que proporciona altos níveis de remoção de metal, o que, consequentemente, prolonga a vida útil das ferramentas
♦ Ferro grafite compactado (CGI)
• Possui uma estrutura de grafite diferenciada, semelhante ao formato de um coral
• Como a estrutura do grafite produz baixos níveis de descontinuidade e efeitos concentrados de estresse dentro do metal, as propriedades de resistência e dureza são elevadas, o que, por outro lado,dificulta a usinabilidade do material
♦ Diferenças na composição
• Presença de enxofre no ferro cinzento garante a alta usinabilidade do metal:
Durante a usinagem do ferro cinzento, o enxofre se liga ao metal e combina com o manganês para formar inclusões de sulfeto de Manganês (MnS). No decorrer do processo de corte, essas inclusões MnS auxiliam o processo de quebra de cavaco. Outra vantagem do MnS é que esse composto adere à superfície da ferramenta de corte formando um filme lubrificante que reduz o atrito, protegendo o metal contra oxidação e difusão e minimizando o desgaste da ferramenta, especialmente em altas velocidades de corte.
• Já na usinagem do CGI não ocorre a formação desse filme lubrificante, porque a quantidade normal de enxofre adicionada ao CGI é por volta de 0.01% – porcentagem 10 vezes menor que a quantidade presente no ferro cinzento. Adicionalmente, o enxofre residual presente no CGI tende a combinar com o magnésio (elemento adicionado para melhorar a nodularização do grafite). Por causa dessa combinação, resta apenas uma pequena quantia de enxofre livre para combinar com o Manganês e formar o filme protetor de MnS; e, por este motivo, a falta de enxofre no CGI é considerada a razão primária para a baixa usinabilidade e o alto desgaste de ferramentas associadas à usinagem desse metal.
Devido a estes dois fatores – morfologia do grafite e baixa concentração de enxofre –, a usinabilidade do CGI é consideravelmente menor, e o desgaste de ferramentas é expressivamente superior, quando comparado à usinagem do ferro cinzento. Estudos previamente realizados mostram que a vida da ferramenta pode reduzir-se pela metade em operações de fresamento e furação do CGI. Já nas operações de mandrilamento, a vida da ferramenta é de cerca de um décimo da alcançada em operações de usinagem com ferro cinzento. Deste modo, para otimizar de forma significativa a usinagem do CGI, é necessário obter um melhor entendimento sobre lubrificação e também sobre as características necessárias a um fluido de corte adequado a este processo.
Ferro fundido versus CGI
Para estudar as diferentes características existentes nos processos de usinagem do ferro fundido cinzento e do CGI, foram conduzidos testes em uma máquina da marca Bridgeport modelo V2XT, utilizando o fluido de usinagem padrão macroemulsion de óleo e água, que proporciona altos níveis de lubrificação em operações de usinagem de metais ferrosos.
Os testes envolveram a furação e o alargamento do CGI graduação 450 e do ferro fundido cinzento classe 40. A avaliação da usinabilidade dos metais foi feita durante as operações, por meio de medidas de forças de corte e desgastes da ferramenta. Observe a seguir algumas das constatações obtidas durante o estudo:
1. Parâmetros de usinagem
2. Morfologia
Como é possível visualizar nas fotos micrográficas abaixo, a morfologia da microestrutura do ferro cinzento é facilmente visível, enquanto que o CGI possui uma estrutura amórfica mais desorientada. Essas características justificam as diferenças significativas de resistência, dureza e usinabilidade entre os dois materiais.
Eletromicrografia de varredura de ferro fundido cinzento
Eletromicrografia de varredura de ferro grafite compactado (CGI)
3. Torque
As forças de usinagem (torque) medidas durante a furação do ferro cinzento e do CGI são mostradas na imagem acima. O torque medido durante a usinagem proporciona uma indicação útil do atrito na zona de corte e a lubrificação pelo fluido de usinagem. A mudança no torque medido na furação constitui uma medida indireta útil, pois evidencia o desgaste da ferramenta e/ou a adesão de metal na cunha de corte.
Falta da formação de filme protetor durante processo de usinagem do CGI é responsável pelo alto atrito, aquecimento e aceleração do desgaste da ferramenta
Como observado, o CGI é significativamente mais difícil de usinar do que o ferro cinzento. As forças de corte medidas durante a usinagem do ferro cinzento classe 40 mostraram-se constantes e estáveisdurante todo o processo; enquanto as forças medidas durante a usinagem do CGI grau 450 demonstraram uma distinta transição a partir do 27° furo, seguido por um rápido e crescente aumento das forças de corte ao longo do restante do teste. Esses resultados revelam altas taxas de desgaste da ferramenta e adesão de metal na cunha de corte do CGI.
Desgaste da ferramenta
Seguindo com a avaliação, foram comparadas as condições e a severidade dos desgastes da ferramenta ocorridos durante a usinagem de ambos os metais. O exame da condição da ferramenta e a medição da área de desgaste da face do flanco na cunha de corte foram feitas por meio de uma ampliação de 40x, utilizando um microscópio estéreo Nikon SMZ 800 e o software Eclipse Net.
Microfotografias e medições de desgaste da ferramenta em CGI e ferro fundido cinzento
Como observado nesta etapa do estudo, a cunha da ferramenta e a superfície do flanco da broca utilizada na usinagem do ferro cinzento permaneceram em boas condições, sem desgaste visível. Entretanto, a ferramenta utilizada para usinar o CGI demonstrou notável desgaste na cunha de corte. As forças de corte medidas também enfatizam os desgastes resultantes na ferramenta e mostram claramente a maior dificuldade de usinar o CGI quando comparado ao ferro fundido cinzento.
O sulfeto de manganês formado durante a usinagem do ferro cinzento proporciona a geração de um filme lubrificante protetor. E a falta da formação desse filme na usinagem do CGI é tida como um fator preponderante e responsável pelo alto atrito, aquecimento e aceleração do desgaste da ferramenta.
Na superfície do corte
Como complemento, foram feitas análises dos testes das brocas para avaliar as diferenças nos níveis de enxofre e manganês nas superfícies de corte. Esse procedimento teve como objetivo verificar a formação de um filme lubrificante à base de enxofre, fundamental para melhorar a usinabilidade do ferro fundido cinzento.
Dando continuidade ao trabalho, analisou-se as ferramentas via microscópio scanner de elétrons Joel JSM 6480, com capacidade EDX e espectrometria dispersiva de energia. O mapeamento elementar foi conduzido na margem e na superfície de contraste angular das brocas, como pode ser observado na imagem abaixo.
Os resultados do mapeamento elementar mostram claramente altos níveis de manganês e enxofre na superfície da ferramenta utilizada para a usinagem do ferro fundido. Diferentemente deste tipo de ferro, a análise da superfície da ferramenta utilizada para a usinagem do CGI mostrou apenas uma quantidade mínima de enxofre e nenhuma de manganês.
Desta forma, os resultados das análises de EDX do enxofre e manganês na superfície das ferramentas utilizadas reforçam a atual constatação sobre a falta de inclusões de sulfetos de manganês e a ausência de camada lubrificante de MnS formada durante a usinagem do CGI. Observe os dados da tabela abaixo:
Durante as operações de alargamento também constatou-se dificuldades para a usinagem do CGI. Isso porque há um aumento constante e progressivo da rugosidade durante a usinagem desse material. Sendo assim, a partir dos resultados dos testes de furação e alargamento foi possível perceber que a usinagem do CGI apresenta elevadas exigências se comparada à do ferro fundido cinzento.
Essa condição se deve à ausência de enxofre e de lubr
ificação (proporcionada pelas inclusões de sulfeto de manganês), que constitui a principal razão do elevado atrito presente no processo de usinagem. Por sua vez, esse nível de atrito tem influência direta nas forças de corte, promovendo assim o desgaste acelerado da ferramenta e o aumento da rugosidade do acabamento no alargamento dos furos executados em CGI.
Estabilizando o fluido de usinagem
Entretanto, é difícil estabilizar os complexos de sulfeto de manganês nos fluidos de usinagem. Para proporcionar a lubrificação necessária, uma solução é aplicar no fluido diversos tipos de compostos à base de enxofre – como o enxofre elementar e numerosos compostos organo-sulfurados, que podem servir como poderosos aditivos lubrificantes, cujas funções em temperaturas elevadas servem para minimizar o atrito e a solda durante o corte.
A partir da utilização de compostos organo-sulfurados, gorduras sulfurizadas, olefinas e terpenos, a lubrificação é atingida via divisão da ligação S-S, seguida pela formação de sulfetos metálicos e/ou organosulfetos metálicos na superfície da ferramenta e/ou da peça. Estruturas usuais de alguns aditivos lubrificantes à base de enxofre comumente utilizados são mostradas na imagem a seguir:
Para avaliar a validade e eficiência de um projeto aproximado de fluido, um aditivo à base de enxofre foi incorporado ao mesmo fluido de usinagem utilizado previamente nos testes de usinagem descritos acima – utilizando as mesmas condições de trabalho em que as operações de furação e alargamento foram realizadas. A imagem abaixo apresenta as forças de corte medidas durante a furação do CGI utilizando agora o fluido contendo o composto lubrificante à base de enxofre.
Efeitos aditivos do enxofre na perfuração CGI – Fluido com aditivo I
Foi possível observar que a incorporação de um aditivo à base de enxofre reduz significativamente as forças de corte. Na avaliação do impacto do desgaste de flanco gerado na broca com a aplicação do fluido aditivado, obteve-se um índice de desgaste significativamente menor (33% de redução) na face da superfície do flanco da ferramenta.
Microfotografias das ferramentas e das áreas de desgaste medidas deixaram evidente que o uso de aditivo contendo enxofre pode compensar a falta de enxofre no próprio metal, facilitando assim a usinagem de CGI.
Os resultados dos testes de usinagem apresentados mostraram claramente o alto nível de dificuldade encontrado na usinagem do CGI, se comparado ao da usinagem do ferro fundido cinzento. Isto foi evidenciado tanto pelo aumento das forças de corte quanto pelos desgastes das ferramentas.
Enquanto as diferenças morfológicas do grafite são largamente responsáveis pelo baixo nível de usinabilidade do CGI – o que é sustentado pelas análises complementares de SEM/EDX –, nota-se também que a falta de enxofre e a incapacidade do CGI de formar lubrificantes por meio de inclusões de sulfeto de manganês durante o corte também são responsáveis por sua baixa usinabilidade.
Devido à necessidade de o CGI conter uma mínima quantidade de enxofre, foi demonstrado que aditivos lubrificantes à base desse componente podem ser utilizados no fluido de usinagem para compensar sua ausência, o que reduz as forças de corte e os desgastes da ferramenta.
Por meio das análises do SEM/EDX foi verificado que a função dos aditivos à base de enxofre nos fluidos de usinagem é formar uma camada lubrificante e protetora na superfície da peça e/ou da ferramenta durante o processo. Com esse procedimento, as análises mostraram alto conteúdo de enxofre na superfície da ferramenta.
Falta de enxofre e a incapacidade do CGI de formar lubrificantes por meio de inclusões de sulfeto de manganês durante o corte também são responsáveis por sua baixa usinabilidade
Acredita-se também que a formação de um filme tribológico do aditivo à base de enxofre requer um nível de calor. Isto foi avaliado pelos resultados das análises do EDX, que apontaram altos níveis de enxofre na superfície da cunha de corte, onde também foram observados atrito elevado, geração de calor e desgaste; em contraste com apenas traços de níveis de enxofre localizados acima do ângulo de corte da ferramenta, onde ocorreu um contato mínimo metal-metal. Portanto, essa pesquisa evidencia a utilização de fluidos aditivados com enxofre como interessante alternativa para o aumento da usinabilidade do CGI.
Artigo produzido pelos engenheiros Robert D. Evans, Fred Hoogendoorn e Edward Platt, do Laboratório de Usinagem da Quaker Chemical Corporation, localizado em Conshohoken, Pensilvânia (EUA). O fabricante dedica-se ao desenvolvimento e aplicação de fluidos de processo e lubrificantes especiais de alta performance.
Tradução: Sergio Issao Miura, gerente de produto metalworking da Quaker Chemical Brasil.
Referências bibliográficas
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6. ABELE, E., SAHM, A., SCHULZ, H., Wear Mechanism When Machining Compacted Graphite Iron, Annals of the CIRP, Vol 5, 51/1, 2002
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Análises complementares
Para um melhor entendimento sobre a função e a importância do aditivo à base de enxofre na usinagem do CGI, foram realizadas análises complementares do ferramental. Observou-se que os aditivos à base de enxofre formaram um filme lubrificante protetor na superfície da ferramenta, comparável ao formado nas inclusões de sulfeto de manganês no ferro fundido cinzento – fenômeno que pode ser notado pela quantidade de enxofre presente na superfície da ferramenta durante e depois da usinagem.
Para checar essa condição, foram realizadas algumas inspeções na superfície da ferramenta utilizada com o fluido aditivado por meio de um microscópio scanner de elétrons e espectroscopia de energia dispersiva. Foi observado que, enquanto apenas traços de níveis de enxofre estavam presentes na superfície da ferramenta utilizando o fluido sem aditivo, foi encontrado um nível mais elevado na ferramenta utilizada na usinagem de ferro fundido cinzento. Este resultado evidenciou a importância do enxofre para a formação de um filme lubrificante na superfície da ferramenta.
Análises complementares de SEM/EDX também foram realizadas na superfície da cunha de corte para obter conhecimento adicional do desgaste que ocorre e a ação potencial do enxofre na melhoria da performance da usinagem. Com base nestas análises, observa-se que o desgaste provavelmente ocorre via desgaste abrasivo inicial e pela perda da cobertura de nitreto de alumínio e titânio, seguido por um grau de fendas ou deformação do substrato subjacente.
Foi observado que provavelmente este desgaste surge durante os estágios iniciais da usinagem anterior, pela ativação térmica do aditivo lubrificante à base de enxofre. Esta premissa é consistente devido ao constante aumento das forças de corte observadas no teste inicial de furação. Se o teste continuasse, provavelmente ocorreria um desgaste adicional e mais severo.
A análise via EDX da superfície contendo enxofre mostra altos níveis desse componente na superfície da cunha de corte onde ocorrem fortes atritos, geração de calor e consequentes desgastes. Em contraste, apenas traços de níveis de enxofre foram detectados acima do ângulo de corte onde um contato mínimo metal-metal provavelmente ocorreu.
Entretanto, a operação de acabamento realizada em baixas velocidades de corte com menor remoção de metal é considerada uma operação de menor severidade que a de furação. Houve ainda uma importante melhora na performance obtida a partir do uso de aditivos à base de enxofre no fluido de usinagem.
Após a furação, os furos foram alargados utilizando seis alargadores acanalados de carbeto sólido. Como observado, o fluido contendo o aditivo produziu um acabamento do furo extremamente mais suave e consistente.
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